Ambientado na década de 1970, Infiltrado na Klan traz reflexão sobre racismo e onda conservadora que se espalha na atualidade.
Ambientado na década de 1970, Infiltrado na Klan traz reflexão sobre racismo e onda conservadora que se espalha na atualidade.
Inflitrado na Klan (EUA, 2018), do premiado cineasta Spike Lee, é um desses filmes com potencial de provocar sentimentos e reflexões dos mais diversos, especialmente por tratar de assunto ao mesmo tempo delicado e impactante: o racismo. Em algumas cenas, o espectador provavelmente vai mesclar gargalhadas com momentos de raiva, indignação e angústia. Não é para menos. Essa é uma das marcas dos filmes do diretor. Produções como Faça a coisa certa (1989), Malcolm X (1992), Febre da selva (1991) e A hora do show (2000) o ajudaram a consolidar a carreira na cena cinematográfica internacional, com repercussões significativas no público brasileiro.
Ainda que seja extremamente arriscado sumarizar toda a cinematografia de Lee em poucas linhas, podemos dizer que seus filmes tratam basicamente de questões em torno dos conflitos raciais e da vulnerabilidade das minorias políticas no contexto dos Estados Unidos (negros, mulheres, latinos, muçulmanos etc).
Se Infiltrado na Klan fosse uma história totalmente ficcional, ainda assim poderia ser considerada como uma das principais produções do diretor, levando em conta elementos típicos do cinema americano: roteiros com fortes apelos emocionais e cenas recheadas de ação. No entanto, a obra é uma adaptação da história real de um policial negro da cidade de Colorado Springs, Ron Stallworth (interpretado por John David Washington).
Na tentativa de descobrir e evitar ataques terroristas contra os ativistas dos Panteras Negras, Ron decide se infiltrar na mais famosa organização racista dos Estados Unidos, a Ku Klux Klan. Por meio de telefonemas para a cúpula local da KKK, Ron consegue conquistar a confiança dos membros do grupo, imitando o sotaque dos brancos do meio oeste. Evidentemente que, por ser negro, não poderia aparecer nas reuniões do grupo pessoalmente. Combina então com seu parceiro, o policial branco e judeu Flip Zimmerman (Adam Driver), uma estratégia para que este se passe pelo ‘verdadeiro Ron’.
A farsa do policial ‘Ron Stallworth negro’ chega ao ponto de ele ganhar a confiança do ‘grande mago da Ku Klux Klan’ na época, o líder da organização David Duke (Topher Grace). Nas conversas por telefone com Duke, o policial negro disfarçado diz odiar “mexicanos, italianos, irlandeses, judeus e chineses” e sublinha que o grupo pelo qual mais tem repulsa são os negros. O líder da Klan tem a sensação de encontrar sua alma gêmea racista do outro lado da linha. Esse é o enredo central da trama. Dizer mais é adentrar no perigoso terreno dos spoilers.
Por mais que seja ambientado na década de 1970, período de intenso acirramento de conflitos raciais e de mobilizações em torno da luta pelos direitos civis nos EUA, a temática do filme é incrivelmente atual. Lee é um cineasta engajado com os problemas sociais e políticos do mundo contemporâneo, especialmente quando se trata de denunciar o racismo. Em tempos de Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), movimento descentralizado de protestos contra a violência policial nos EUA, ou das reivindicações dos movimentos negros no Brasil por políticas de promoção da igualdade racial, é importante ver o filme nessa dupla perspectiva. É tanto entretenimento direcionado ao grande público quanto um filme que provoca reflexões mais substantivas sobre a condição da população negra na contemporaneidade.
Outro elemento interessante presente em Infiltrado na Klan é a interlocução que estabelece com a vitória da direita na política recente dos Estados Unidos. Após os oito anos de governo do democrata Barack Obama, primeiro presidente negro do país, o republicano Donald Trump é eleito com votos dos setores mais conservadores, retrógrados e, consequentemente, mais inclinados ao racismo. David Duke, o líder da Ku Klux Klan, em um dos diálogos no filme, diz que é preciso transferir o discurso do ódio racial para a cena política. Para isso, sublinha ser necessário um candidato que defenda essas ideias nas eleições. Por telefone, Ron rebate: “Os americanos jamais votariam em alguém assim.” Não foi bem o que aconteceu. As semelhanças com o contexto político brasileiro recente são um tanto quanto assustadoras.
Premiado pelo júri do Festival de Cannes em 2018, Infiltrado na Klan utiliza citações político-cinematográficas reais a partir de cenas ocorridas em protestos de diferentes matizes ideológicos. Brancos empunhando bandeiras federadas marcham em defesa da ‘supremacia branca’ em Charlottesville, do mesmo modo que afroamericanos, latinos e brancos liberais se mobilizam em torno do Black Lives Matter. Passado e presente espelham-se, dialeticamente.
Nas entrelinhas de algumas cenas, percebe-se a tematização de questões que hoje fazem parte da pauta de reivindicações do movimento feminista no mundo ocidental. As tentativas frustradas de uma das integrantes da Klan de protagonizar ações dentro da organização é uma evidência de que Lee direciona nossa atenção para olhar, criticamente, a situação de subalternização das mulheres. Por outro lado, a liderança política de uma ativista dos Panteras Negras evidencia o oposto, ou seja, o fato de que, em uma organização de autodefesa da comunidade negra, é uma mulher que se impõe como protagonista, uma referência a personagens emblemáticas do movimento pelos direitos civis, como a feminista Angela Davis.
Pode ser que não haja relação direta entre o impressionante sucesso do filme Pantera Negra, do também cineasta negro Ryan Coogler, com uma leitura política da realidade atual e o filme de Lee. Pode ser que Infiltrado na Klan faça parte de um boom de produções em que o protagonismo é negro e que levam todos a refletir sobre os desafios em torno da superação do racismo. Ou pode ser simplesmente um bom filme para dar risada e comer pipoca.
Marcio André de Oliveira dos Santos
Núcleo de Estudos sobre Imigração, Raça e Etnicidade
Instituto de Humanidades e Letras
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), campus dos Malês
Retratando a vida de duas jovens sírias obrigadas a fugir de seu país, o filme As nadadoras, disponível na Netflix, desponta como enunciador político das tramas do refúgio ao exibir tanto os efeitos da guerra quanto os de um regime de fronteiras cada vez mais hostil
Documentário mostra a busca de uma comunidade quilombola pela recuperação de sua história, sua cultura e sua identidade, aliada aos esforços pela construção de um projeto escolar antirracista e integrado aos saberes e práticas tradicionais
Nesta resenha sobre Mulher Rei, filme que traz Viola Davis como general de um exército de guerreiras, o olhar de duas historiadoras negras destaca como o nosso imaginário é carente de figuras femininas pretas tão seguramente poderosas, soberanas, independentes e positivas
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |