Investimento público em serviços de informação sobre questões oceanográficas pode resultar em retorno econômico e social, além de contribuir para a proteção de ecossistemas marinhos

Rede Amazônia Azul

O conceito de ‘economia azul’ compreende uma gama de atividades econômicas relacionadas ao mar, bem como políticas públicas para buscar o uso sustentável dos recursos marinhos. A disponibilidade pública de informações sistemáticas em tempo real e de longo prazo sobre o oceano, mares e zonas costeiras é um motor da economia azul, impulsionando o crescimento econômico sustentável, o emprego e a inovação. O investimento público em serviços de informação acessíveis sobre o oceano pode ter um alto retorno econômico e social, contribuindo para a proteção de ecossistemas marinhos.

Uma série de Variáveis ​​Climáticas Essenciais (do inglês, Essential Climate Variables – ECV) podem caracterizar a variabilidade local das propriedades físicas e biogeoquímicas do oceano e fornecer informações relevantes para entender e prever o estado dos ecossistemas e o impacto de fenômenos naturais e/ou interferências antrópicas no ambiente marinho. À medida que a série de ECV se torna mais longa, podem ser feitas inferências sobre os efeitos climáticos de longo prazo.

O Global Ocean Observing System (GOOS), programa da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da UNESCO, visa a fornecer informações essenciais para serviços operacionais, clima e saúde oceânica, ligando iniciativas locais, nacionais e globais de monitoramento de propriedades físicas, químicas e biológicas, do oceano aberto à zona costeira. Sistemas integrados de observação são implementados por alianças regionais, com foco em áreas costeiras e mares regionais, atendendo aos requisitos locais.

Os sistemas de observação e modelagem da zona costeira (observatórios costeiros), ligados a sistemas de observação regionais e globais, melhoram a qualidade das informações e previsões para uma gestão eficaz de atividades marítimas seguras e sustentáveis. A ampliação da economia azul no Brasil depende do desenvolvimento de uma rede integrada de observatórios costeiros, seguindo uma tendência mundial, já bem estruturada na Europa e nos Estados Unidos.

A componente europeia do GOOS (EuroGOOS) coordena e apoia o desenvolvimento e a integração de serviços nas regiões marítimas europeias. Recentemente, o EuroGOOS e o European Marine Board estabeleceram o European Ocean Observing System (EOOS) para alinhar e conectar as iniciativas existentes, buscando eficiência, otimização de recursos e preencher as lacunas na capacidade de observação europeia. O EOOS atua como uma estrutura que reúne usuários, implementadores de sistema e financiadores para definir prioridades e facilitar o intercâmbio de conhecimento e tecnologia.

Nos Estados Unidos, o Integrated Ocean Observing System (IOOS), componente estadunidense do GOOS, objetiva combinar e transmitir os dados existentes de forma integrada e padronizada para garantir a máxima interoperabilidade, vinculando observações à modelagem via gerenciamento e comunicação de dados, permitindo o desenvolvimento de produtos aprimorados, serviços e ferramentas de apoio à tomada de decisão. Associações regionais complementam o sistema federal, por exemplo, fornecendo observações de alta resolução, informações e produtos sob medida para as necessidades regionais, facilmente acessíveis em portais online.

A área oceânica sob jurisdição brasileira, denominada Amazônia Azul, totaliza atualmente 4,4 milhões de km², aproximadamente metade da área terrestre brasileira. A componente brasileira do GOOS é uma comissão executiva subordinada à Subcomissão do Plano Setorial dos Recursos do Mar (PSRM), coordenada pela Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (CIRM), que é responsável por programas de monitoramento com dados publicamente disponíveis como PIRATA – rede de observação in situ composta por boias fundeadas para monitorar processos de interação oceano-atmosfera no oceano Atlântico Tropical – e PNBoia – Programa Nacional de Boias que visa a fornecer dados meteo-oceanográficos através de boias atracadas e derivadores. A operação contínua desses e outros sistemas de observação é um desafio devido ao vandalismo, problemas de manutenção ou aquisição de novos sensores produzidos no exterior, além das restrições orçamentárias impostas ao setor de ciência, tecnologia e inovação nos últimos anos.

A estrutura atual do GOOS Brasil, em contrapartida ao EuroGOOS e IOOS, não inclui uma rede integrada de observatórios costeiros e associações regionais, que contribuiriam para uma compreensão mais clara das necessidades das partes interessadas, incluindo gestores públicos, tomadores de decisão, usuários finais e comunidades locais. A reestruturação do GOOS Brasil e a criação de um Instituto Brasileiro do Mar (INMAR) financiado pelo governo federal poderiam contribuir para a coordenação entre iniciativas nacionais e regionais, bem como com programas internacionais, de forma a aumentar a capacidade nacional de observar e prever o oceano, maximizando o retorno do investimento público e os benefícios econômicos e sociais.

A Década do Oceano é uma grande oportunidade para incentivar um arranjo institucional para apoiar e articular uma rede integrada de observatórios costeiros no Brasil, promovendo a aquisição, compartilhamento e uso de dados ao longo da Amazônia Azul. Ao disponibilizar o mecanismo correto para permitir uma melhor interação entre iniciativas, com uma infraestrutura oceânica robusta, o Brasil estaria dando um passo decisivo na coordenação dos esforços de observação costeira, para que os sistemas se tornassem interoperáveis com dados facilmente acessíveis para uso público.

Guilherme Augusto Stefanelo Franz
Centro de Estudos do Mar
Universidade Federal do Paraná

 A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo.

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