A vida humana é movida, cada vez mais, pela exploração de recursos naturais, seja para a produção, seja para o consumo de diferentes bens e serviços, como alimentos, vestimentas, medicamentos, cosméticos, combustíveis ou eletrônicos. Ambiente algum está eximido de ser usado pelo ser humano, nem aquele que lhe é menos acessível na Terra: o mar profundo.
Nesse contexto, é crescente a diversificação das atividades econômicas do oceano: pesca e cultivo de organismos, como algas, moluscos, camarões e peixes; geração de energia renovável; extração de minerais, como óleo, gás, sal, calcário e pedras preciosas; serviços portuários e transporte de mercadorias; construção naval; e atividades de recreação e lazer.
Segundo a tese ‘Economia do mar: conceito, valor e importância para o Brasil’, apresentada em 2018 por Andrea Bento Carvalho ao Programa de Pós-graduação em Economia do Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), estimativas mostram que cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro têm como origem riquezas geradas a partir do oceano e zonas costeiras, principalmente atividades indiretas (86%), como as turísticas. Apenas 14% equivalem às atividades realizadas diretamente no mar, como serviços, manufatura, defesa nacional, geração de energia, extração mineral, transporte e riquezas geradas pela biodiversidade.
Além de não considerar muitos benefícios gerais do ambiente marinho, como a regulação climática e a segurança alimentar, essa participação no PIB, apesar de significativa, leva em consideração apenas os 17 estados e os 280 municípios que se defrontam com o mar e não o território nacional como um todo. Logo, novos estudos podem revelar uma relevância ainda maior do oceano no PIB nacional. Podemos dizer, portanto, que nossa economia é também azul!
Mas o que é economia do mar? Antes de mais nada, precisamos refletir que, com uma visão antropocêntrica da natureza, baseada no uso de recursos e na geração de resíduos, a economia decide o quê, quanto, como e para quem produzir. Em contrapartida, a ecologia considera o ser humano parte de um sistema que contém diversas outras formas de vida que também necessitam da natureza, logo, há limitações para a exploração dos recursos naturais e princípios que devem ser considerados para seu desenvolvimento.
A partir da conexão desses dois conceitos, surge a economia ambiental, na qual o ambiente possui um papel de provedor de bens e serviços. Os impactos decorrentes dessas atividades são calculados, porém em uma visão que contabiliza os danos, mas não visa promover a sustentabilidade. Buscando uma visão mais integrada, surge a economia ecológica, que considera um equilíbrio entre os aspectos econômicos, ambientais e sociais para uso mais racional dos bens e serviços providos pela natureza. Desse conceito, nasce a economia verde, a fim de promover mundialmente uma economia de baixo carbono pautada pelo compartilhamento dos benefícios na sociedade. Como um aprofundamento dessa ideia, nasce o termo economia azul. E o que está por trás dele?
No livro The Blue Economy (2017), o escritor, empresário e economista belga Gunter Pauli destaca que a economia azul considera uma visão mais abrangente e integrada da relação entre a sociedade e o meio ambiente. Como exemplo, compreende que os resíduos gerados pelas atividades humanas podem ser úteis na geração de mais alimento, energia e emprego. Valoriza o papel de empreendedores locais pautados pelo desenvolvimento de tecnologias simples e limpas, cujas ações podem agregar valor aos bens e serviços disponíveis e gerar empregos para beneficiar suas comunidades, dentro de um contexto de menor desperdício de energia.
Mas o termo economia azul também vem sendo utilizado, de forma equivocada, para designar novas formas de exploração dos bens e serviços derivados do oceano. Esse ‘azul’ não tem relação direta com o oceano, assim como o ‘verde’ não tinha relação direta com a floresta. O que de fato vem sendo promovido é o chamado crescimento azul (blue growth) ou economia do mar, que se refere a todas as atividades que, direta ou indiretamente, ocorrem no oceano e utilizam bens e serviços derivados dele. Essa abordagem não necessariamente tem incorporado os avanços relacionados aos conceitos e princípios trazidos pela economia azul, representando uma amplificação ou derivação do paradigma de exploração ambiental intensiva, imediatista, centralizadora de riquezas e compartilhadora de prejuízos.
A economia do mar está em nossas vidas de diversas formas. Um exemplo bastante conhecido por todos é a alimentação, já que a pesca é responsável por grande parte da provisão de alimento para a humanidade. Mas, devido à explotação (extração de recursos naturais para aproveitamento econômico) excessiva dos recursos pesqueiros e à degradação ambiental, essa atividade necessita urgentemente de ações para recuperação ambiental e dos estoques. É necessário conhecer quanto, quando e onde há recurso para ser pescado e criar regras que evitem a captura excessiva.
Outra aplicação econômica do oceano é a maricultura, nome dado ao cultivo de diferentes organismos marinho, como peixes (piscicultura), mexilhões (mitilicultura) e algas (algicultura). Devido à rica biodiversidade do nosso país, à sua longa costa (cerca de 8,5 mil km) e ao seu mar territorial e à sua zona econômica exclusiva (ZEE) de cerca de 4,5 milhões km2 (área destinada ao uso sustentável dos recursos naturais), há várias espécies de interesse para o desenvolvimento da aquicultura brasileira, como beijupirá, robalo-flecha, cioba, garoupa e badejo. A maricultura tem se expandido e se consolidado como uma alternativa para a produção de alimento, indo além do consumo humano. Por exemplo, a alga marrom Saccharina latissima tem sido cultivada em áreas poluídas por esgoto e fertilizantes, onde há abundância de nutrientes que potencializam seu crescimento, auxiliando na despoluição e, posteriormente, na alimentação animal ou na fertilização do solo.
Atividades de grande potencial da economia do mar são as relacionadas à extração de óleo e gás em áreas profundas, que vencem ventos, ondas, tempestades, pressões, correntes marinhas, baixas temperaturas, entre outras intempéries. O Brasil é autossuficiente nesse produto, usado como matéria-prima na produção de gasolina, asfalto, lubrificantes, solventes, parafina, plástico, borracha etc. As primeiras explorações de petróleo no mar ocorreram na última década do século 19, na costa marítima da Califórnia (Estados Unidos), e, com o advento da tecnologia, hoje ele é explorado no mar a quilômetros de profundidade em várias regiões, inclusive no litoral brasileiro, como na Bacia de Santos.
À medida que ocorre o mapeamento do fundo do mar, novas riquezas oceânicas são descobertas, como os depósitos polimetálicos. Eles podem ser encontrados de três formas: os nódulos polimetálicos, os sulfetos polimetálicos e as crostas cobaltíferas. Ricos em manganês, níquel, cobre e cobalto, os nódulos polimetálicos repousam na planície abissal, como em algumas regiões no Pacífico Norte. Os sulfetos polimetálicos – abundantes em ferro, zinco, cobre, prata e ouro – são encontrados próximos às regiões conhecidas como fontes hidrotermais (áreas no fundo do mar onde há atividade vulcânica), como na Cadeia Dorsal Mesoatlântica. As crostas cobaltíferas, fartas em cobalto, manganês, níquel, platina, tálio e telúrio, se formam nas planícies abissais no topo de montanhas submarinas, como na Elevação do Rio Grande, localizada a cerca de 1.500 km do litoral Sul do Brasil. Todos esses depósitos minerais só podem ser estudados com o uso de sofisticadas tecnologias.
Outro aspecto importante sobre o uso do oceano é o seu potencial para a produção de energias renováveis, geradas pela força dos ventos, das ondas e das marés. No litoral nordestino, foi instalado em 2012 um projeto-piloto de energia de ondas denominado Usina do Porto do Pecém, no Ceará, mas ele ainda não ganhou escala para gerar energia para o país. Além disso, o Nordeste é o principal polo de energia eólica do Brasil, com grandes possibilidades de criação de parques eólicos marinhos.
Ainda como potencial econômico, há a prospecção, o isolamento e a produção de compostos bioativos derivados da biodiversidade marinha, com aplicações voltadas para produção de alimentos, cosméticos e medicamentos. Bactérias, algas, esponjas, moluscos, fungos e muitos outros organismos podem ser aproveitados para essas finalidades. Para se ter uma ideia, a partir de algas marinhas vermelhas se obtém o ágar-ágar, um tipo de gelatina muito utilizado na alimentação e também em experimentos científicos.
Há também um grande espaço para ações de desenvolvimento socioeconômico na costa, especialmente as relacionadas às atividades de recreação e turismo. Iniciativas para certificação de praias, quiosques e restaurantes têm sido criadas para melhorar a qualidade dos serviços ofertados. Inovações como o turismo de base comunitária têm capacidade para valorizar os costumes de comunidades tradicionais. Associado a isso, é fundamental garantir a qualidade ambiental e ter métodos que permitam avaliá-la de forma precisa e rápida.
Não faltam exemplos de como a economia do mar se relaciona com a economia geral, mas essas atividades precisam ser baseadas no uso sustentável do oceano. Portanto, a economia do mar demanda abordagens disruptivas, que revelam a importância de se estimular o desenvolvimento científico e tecnológico e de se formarem recursos humanos com perfil empreendedor e inovador, que fortaleçam colaborações existentes e criem novas parcerias e/ou aplicações, considerando o uso de ferramentas de ponta, como satélites, supercomputação, tecnologia da informação e robótica, e convergindo para necessidades crescentes dos mercados. Assim, criam-se empregos de alta qualidade e diversifica-se a economia.
Nós já estamos a bordo da Quarta Revolução Industrial, que transformará nossas vidas, nossos trabalhos e nossas relações. E, inclusive, transformará o uso do oceano, em grande parte pelas soluções tecnológicas, pela capacidade de comunicação globalizada gerada pela internet e por satélites, bem como pelo aumento da capacidade de processamento em tempo real de enormes quantidades de dados, o chamado Big Data.
Os serviços derivados da observação do oceano por satélites, acoplando estudos espaciais com pesquisas oceanográficas, geram informações em tempo real de localização de embarcações, por exemplo. Fundamentados no uso de sistema de posicionamento global (GPS), esses serviços permitem a criação de portos inteligentes e navios conectados, ampliando a segurança e a eficiência do transporte marítimo.
Além disso, por meio do uso do sensoriamento remoto, utilizando sensores ópticos ou térmicos ou mesmo sinais de radares, equipamentos oceanográficos e o desenvolvimento e aprimoramento de modelos numéricos, associados à ampliação da capacidade computacional, permitem a previsão com antecedência de uma semana e o acompanhamento em tempo real de fenômenos como ressacas do mar.
Logo, a economia oceânica 4.0 engloba o desenvolvimento de aplicações voltadas para a proteção da população contra desastres naturais, como tsunamis. Uma combinação de diferentes fontes de informação, como redes de sensores sísmicos e oceanográficos e sistemas de modelagem da propagação das ondas do tsunami, permite o desenvolvimento de alarmes antecipados que podem salvar vidas.
Sistemas híbridos de comunicação, que consideram mais de um canal, como satélites e celulares, também são a base da geração de aplicações voltadas para o turismo náutico e atividades pesqueiras, incluindo o aumento de seus padrões de segurança. Serviços como esses possuem reflexo direto no valor dos seguros cobrados para as embarcações e suas cargas e, consequentemente, nos custos relacionados a essas atividades. De forma semelhante, essa mesma estratégia pode ser utilizada para combater atividades ilícitas, como a pesca por navios estrangeiros em águas sob jurisdição nacional ou a pesca em áreas de proteção ambiental.
A obtenção de dados diretamente no mar é muito custosa em função do uso de embarcações e dos altos valores dos equipamentos utilizados, como boias oceânicas. Por outro lado, o monitoramento continuado de longo prazo do estado e da qualidade do oceano é uma necessidade que precisa ser garantida. Para tanto, estratégias de monitoramento automatizado com baixo custo, como o uso de robôs e veículos não tripulados, são uma solução. Serviços associados à tradução e à comercialização de dados, tanto para entes públicos quanto privados, também são uma demanda a ser explorada.
Direta ou indiretamente, há um grande potencial de exploração sustentável do oceano para geração de bens e serviços para atender diferentes demandas da sociedade. Com o uso da ciência, tecnologia e inovação, a economia oceânica 4.0 transformará a nossa relação com o mar, mas precisará ser orquestrada com sabedoria para, muito mais do que extrair os seus recursos, resguardar a sua sustentabilidade.
Segundo o Painel de Alto Nível para a Economia Sustentável do Oceano, iniciativa que integra líderes de 14 países de todo o mundo comprometidos a desenvolver soluções para a saúde e a riqueza dos oceanos, o modelo de uma economia sustentável para esse ambiente aquático deve considerar sua proteção, produção sustentável e prosperidade igualitária e ser capaz de unir aspectos ambientais, sociais e econômicos em uma visão estratégica e duradoura de uma relação mais profunda com o oceano.
Tássia Biazon, Monique Rached e Alexander Turra
Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano
Universidade de São Paulo
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