Um oceano, múltiplas ameaças

A Década do Oceano tem como um de seus desafios compreender os impactos dos diversos fatores de estresse nos ecossistemas marinhos e promover a sua conservação. As mudanças climáticas, evidentemente, estão entre as graves ameaças à saúde dos mares.

Recordes de temperatura, enchentes, secas, ciclones, furacões e tornados se alastram pelo mundo. Esses eventos ambientais extremos ilustram as mudanças climáticas causadas pelo aumento da concentração de gases estufa na atmosfera, como o dióxido de carbono. Essas mudanças interagem com um planeta que vem sendo maltratado por décadas, resultando em um cenário complexo que precisa ser compreendido e combatido. O oceano, apesar de ameaçado, também guarda soluções para reduzirmos nossa vulnerabilidade. Entendendo o seu funcionamento e a sua biodiversidade, é possível construir soluções para um planeta em transformação.

Para ilustrar as interações das mudanças climáticas com os ecossistemas oceânicos, cabe citar as ameaças que os recifes brasileiros enfrentam. Nos momentos em que a temperatura do mar ultrapassa o limite de tolerância dos corais e de suas algas simbiontes, eles perdem suas cores e podem morrer. Esse fenômeno, chamado branqueamento, já é pandêmico, e compromete a saúde de boa parte dos ambientes tropicais. Entretanto, não é só a temperatura do mar que está alterando. O aumento da concentração de gás carbônico acidifica a água do mar, o que prejudica a saúde dos organismos e dificulta a calcificação de seus esqueletos. O mais grave é que o aquecimento e a acidificação do oceano estão encontrando ecossistemas já combalidos por conta dos efeitos negativos de poluentes, da pesca predatória e da invasão de espécies exóticas. A interação de todos esses estressores é o inimigo multifacetado a ser combatido.

Para o oceano, tão ou mais grave do que eventos agudos – como o rompimento da barragem em Mariana (MG), em 2015, e o grande derramamento de óleo no litoral do Nordeste, em 2019 – é a poluição crônica derivada da falta de saneamento básico ou do uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes em nosso território. Além dos herbicidas e pesticidas, o Brasil polui suas bacias hidrográficas com toneladas de fertilizantes à base de nitrogênio e fósforo. Só a bacia do Rio da Prata, que drena os passivos ambientais de boa parte da produção agrícola brasileira, exporta cerca de 1000 Gg de nitrogênio para a região costeira. O excesso desse fertilizante contribui para a floração de algas nocivas, conhecida como maré vermelha, que prejudica a biodiversidade, a maricultura, a pesca e o turismo. Esses processos promovem o surgimento ou a expansão de zonas mortas, ambientes que perdem sua capacidade de manter níveis mínimos de oxigênio, matando animais e plantas por asfixia.

É urgente a busca de soluções para proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros, elevando sua resiliência socioambiental. Uma opção é a gestão integrada de sistemas costeiros, envolvendo campanhas educativas de gestão de resíduos rurais e urbanos, e a implementação de sistemas de saneamento básico eficientes, que removam, inclusive, os nutrientes dissolvidos. Essas ações, aliadas à conservação de ecossistemas costeiros, representam os primeiros passos para elevar a capacidade de a biodiversidade marinha lidar com novas agressões.

O cultivo de algas e a restauração de manguezais e bancos de gramas marinhas, por exemplo, podem representar importante medida de adaptação para elevar a resiliência de sistemas recifais. Ao crescerem, algas e plantas marinhas absorvem os nutrientes, combatem a acidificação e o aquecimento utilizando o gás carbônico, mitigando os impactos desses estressores locais e globais, respectivamente. A produção de algas deve representar ainda adaptação para os impactos socioeconômicos dessas ameaças, porque podem ser utilizadas para a produção de alimentos, combustíveis, fertilizantes, fármacos e cosméticos. Atrelando a produção dessa biomassa ao conceito de biorrefinarias, contribui-se para a solução de problemas locais e globais, gerando emprego e renda em uma economia circular e virtuosa.

Convém destacar que a nossa inação levará à perda de muitos desses ambientes. Na medida em que são perdidos, alimentamos um círculo vicioso que acelera o processo de mudanças climáticas. O momento deve ser de mobilização, de unir esforços para promover as bases de uma sociedade que priorize economia de baixo carbono, respeite o limite dos sistemas naturais e garanta o bem-estar e a justiça social. É urgente priorizar uma nova matriz energética, eliminar o desmatamento, restringir o uso de agrotóxicos e de fertilizantes, combater o consumismo, além de sanear as cidades. Com esses novos arranjos e essa sinergia propositiva é possível construir um planeta mais saudável para as futuras gerações.

Paulo Antunes Horta
Laboratório de Ficologia
Universidade Federal de Santa Catarina

A coluna Cultura Oceânica é uma parceria do Instituto Ciência Hoje com a Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo.

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